Na última quarta-feira, dia 03, o Brasil chegou ao maior número de mortes por Covid em apenas 24h. Ao todo foram 1.910 pessoas que perderam a vida.

Neste mesmo dia, o treinador Ruy Scarpino, que comandava o Manaus/AM, e já tinha passado por Ceará, Ituano, Moto Club, Imperatriz, foi uma das vítima de Covid.

Pouco depois, antes do início da partida entre América/MG e Athletic, pelo Campeonato Mineiro, o treinador Lisca fez um pedido em tom de desabafo:

“É quase inacreditável que saiu uma tabela da Copa do Brasil hoje, com jogos dias 10 e 17 de março, 80 clubes que nós vamos levar com delegação de 30 pessoas para um lado e para outro do país. O nosso país parou. Não existe lugar nos hospitais. Eu estou perdendo amigos. Eu estou perdendo amigos treinadores. Não é hora mais, é hora de segurar a vida. Aqui no (campeonato) Mineiro tudo bem, é mais perto, mas vão pegar uma delegação do Sul e vão levar pra Manaus. Como é que vocês vão fazer isso? Presidente (Rogério) Caboclo, pelo amor de Deus. Juninho Paulista, Tite, Cléber Xavier, as autoridades, nós estamos apavorados, pelo amor de Deus”, falou Lisca.

No final da noite, foi a vez do treinador do Grêmio, Renato Gaúcho, também falar sobre o assunto e meio que respondeu ao técnico do América/MG.

“Eu adoro o Lisca, cada um tem sua opinião, mas eu queria deixar claro que o futebol é o local mais seguro. Estamos fazendo um favor para o povo, porque, quando jogamos, é um motivo para o torcedor ficar em casa. Mas não pode parar tudo no Brasil, daqui a pouco a pessoa não sai de casa, mas está morrendo de fome. É difícil essa situação, alguns não vão concordar, mas é a minha opinião”, declarou Renato.

O jornalista Rodrigo Mattos, do UOL, tentou ouvir o Presidente da CBF, Rogério Caboclo, sobre a fala de Lisca, mas a resposta foi lacônica e evasiva. “Entendemos que qualquer pleito ele deva submeter ao presidente do seu clube”, declarou o mandatário da entidade nacional.

A polarização política que segrega o Brasil desde 2014 chegou ao futebol de forma tão nociva, que expressar a opinião leva uma pessoa a ser herói ou vilão. Pedir para o futebol continuar ou parar leva você ao status de ser o defensor do bem-estar da sociedade, ou o leviatã da população.

Lisca e Renato defenderam seus respectivos desejos e interesses, baseados em convicções próximas e de convívio diário. Ambos, assim como a esmagadora maioria da população vive dividida. Uns concordando com Lisca, outros concordando com Renato.

No meio disso tudo estão as autoridades do futebol, aqueles que decidem o que realmente deve acontecer. Porém, seguem em silêncio ou “lavam as mãos”, como Pilatos. Jogam a responsabilidade para os governadores e prefeitos. Estes, sim, acreditam que o futebol é um local seguro, tanto que o futebol em praticamente todo o Brasil está liberado (apenas algumas cidades em Santa Catarina proibiram a prática por completo do futebol).

Diferentemente de outros setores como do entretenimento, da política ou da sétima arte, o futebol não causou nenhuma morte ou levou algum profissional à UTI que impactasse ou causasse comoção às autoridades e até a população. Pelo contrário, a grande maioria de jogadores, treinadores e dirigentes é acometida pelo vírus, passa um período isolado e logo depois já está na ativa, inclusive alguns fazendo gols e até levantando troféus.

O interesse sempre vai prevalecer no futebol. Vale lembrar que a paralisação ocorrida em 2020 foi muito mais por não saber com o que estavam lidando, do que com uma real preocupação com as “vidas humanas”. “O futebol é seguro”, dizem os que defendem para não parar. O “futebol deve servir de exemplo”, dizem os que pedem para suspender.

Eu vou um pouco mais além e cito outra frase famosa: “O futebol é o espelho da sociedade”.

📸 Michael Reaves/Getty Images